segunda-feira, 22 de junho de 2009

BIVALÊNCIA

I

Minha carne renascida

nunca pode ser um bem perdido

a nossa amizade através da vida

assim o queiramos

não há-de

sabes, filho querido

surgem barreiras de emoção

a toldarem-me a voz

mesmo assim, amigo

desprezo rancores ou piedade

por nós

tão iguais no protesto interior e diário

tão firmes no justo ideal da vitória inevitável

e com isto

não precisamos de mais nada


II

Para além dos laços do sangue e da carne

que nos ligam indissoluvelmente

amo-te porque te conheço

porque

sei que não julgas o semelhante apenas pelos actos

mas pelas razões que os consumaram

sei que não partilhas ideais com facciosismos

mas defendes opções de consciência

sei que não esbanjas a juventude refastelado no presente

mas trilhas a rota aliciante dum futuro melhor

sei que não aceitas os dogmas do capitalismo

mas desprezas “os outros” que exploram os homens

sei que não lamentas os inevitáveis condenados

mas canta-los, orgulhoso e solidário

sei que não pretendes a “liberdade” dos poderosos

mas a ditadura da Justiça

sei que não lês imprensas de encomenda

mas abres o espírito à cultura

sei que não trajas cerimónias em banquetes

mas vestes o teu fato honestamente

sei que te estremecerei até

e para além da morte

porque, filho meu, de mim nasceste

num homem te tornaste

porque meu camarada permaneces

porque os mesmos sangues

e os mesmos sagrados ideais

nos abraçam

Lisboa, Maio 1973

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