José Ernesto Aniceto Rodrigues (1937-2009), José Salsorte por destino poético, nasceu em Lisboa numa ampla e vetusta casa da Rua Latino Coelho, nº 19, R/C Dto., onde já vivera o seu avô, o dramaturgo Ernesto Monteiro Rodrigues, figura de proa da célebre Parceria, e onde também habitavam seus pais, Ernesto Monteiro Rodrigues Júnior, e Mariana da Conceição Aniceto. Foi a 18 de Janeiro de 1937, estava-se em plena guerra civil de Espanha e a aviação de Hitler preparava-se para bombardear Guernica.
Filho único, mimado, tímido, introvertido, com muitos tios e tias mas sem primos direitos, desde cedo foi rodeado pela avó paterna, a mãe e suas persistentes quatro irmãs, as criadas e os padrinhos, o maestro Wenceslau Pinto, amigo de seu avô, e sua mulher Esperança. O pai era a figura central, e autoritária, de um palco familiar antes próspero mas que agora conhecia algumas dificuldades económicas. Eram os tempos da II Guerra Mundial e da consolidação do regime salazarista. Teve um cão, inscreveu-se na Primária, aprendeu a amar o Sporting, enraizada tradição familiar, fez amigos, frequentou o Liceu Camões, de onde acabou expulso, concluiu o Curso Geral dos liceus no D. João de Castro. E desistiu de estudar, preferindo casar-se jovem, aos 21 anos, e ser pai.
José Salsorte e Maria Adelaide tiveram dois filhos de rompante: Pedro Alexandre, que nasce em 19 de Setembro de 1958, e José Ernesto, vindo ao mundo em 29 de Agosto de 1959. Primeiro, viveram no bairro de Benfica, depois fixaram-se na velha Graça. Mas depressa se molesta com a “vidinha à portuguesa”, com a repressão política, a censura, com o instalado cinzentismo e conformismo, e decide viajar. Entre 1966 e 1967 fixa-se em Paris. Regressa a Lisboa sem assistir ao Maio de 1968, e passa longas temporadas na casa de praia da família, em Santo António da Caparica. O seu terceiro filho, João Sérgio, nasce em 2 de Abril de 1969. Aos filhos mais velhos transmite as suas principais referências literárias, poéticas, o gosto pelas artes, pela música, enquanto se exalta com a política, com as façanhas espaciais. Pugna por mundos novos, idolatra regimes distantes e canta novos amanheceres. Nunca visitou a sua mitificada União Soviética. Nem a adorada Cuba, que encarava como um sinal de esperança. Muito menos o desconhecido Vietname, envolvido num combate de morte com o gigante imperial do Ocidente. Afinal, era um sedentário.
A ruptura familiar acontece pouco depois, quando já viviam nos Olivais Sul. O seu pai, Ernesto Rodrigues, morre no Inverno de 1970, e dois anos depois José Salsorte divorcia-se. Fixa-se nos arredores de Lisboa e em 7 de Março de 1974 nasce a sua primeira filha Dulce Margarida, após o casamento com a sua segunda mulher, Rosa Maria. O regime marcelista estava à beira do fim.
É o tempo dos grandes excessos, da liberdade imaginada, da esperança sonhada, das longas noites com os filhos já crescidos, dos amigos de circunstância, do Partido, dos petiscos, da cerveja, do vinho, do whisky, do tabaco, das conversas, das promessas, das traições, das ilusões, das omissões.
A 24 de Agosto de 1977 nasce a segunda filha, Paula Mariana. Isola-se progressivamente do mundo dos homens. Há muito que se dedicava à poesia, mas agora os seus escritos revelam amargura e crescente desilusão: pela política, pelo quotidiano, pelas opções da vida, pelo estado do país e do mundo. E um tremendo combate interior, aquelas intensas e desgastantes batalhas que nunca se resolvem, nunca terminam, e martirizam o corpo e a alma. Sempre com a figura da mãe, uma mãe tantas vezes ausente mas sempre presente.
Pede a reforma. Assume um exílio voluntário, e solitário. Individualiza-se na prisão-domicílio, como diz na sua escrita. Os filhos visitam-no com mais ou menos assiduidade, porque muitas vezes opta pelo isolamento total. Progressivamente, vai regressando ao convívio com os familiares mais próximos. A sua saúde está mais frágil, mas continua a apreciar uma boa refeição, um bom vinho, uma boa cigarrilha. Rodeia-se de alguns cães, a quem dedica particular atenção. Os dias correm iguais, rotineiros, pesarosos. Sempre a escutar música clássica, ópera ou jazz. Ou a passear os cães. E sonhava em partir, partir, talvez para perto do mar, ou da montanha. Mas sempre foi um solitário.
Recebe com alguma surpresa a notícia do nascimento do seu primeiro neto, Guilherme, em 2 de Maio de 1988, filho de José Ernesto e de Cristina Maria. E tudo se sucede de forma mais vertiginosa. A sua mãe morre em 11 de Março de 2003, com 96 anos. A neta Diana, filha de Dulce Margarida, nasce nesse mesmo ano. Um terceiro neto, Tomás, filho de João Sérgio e Maria José, chega a este mundo em 16 de Junho de 2007.
Os dias repetem-se. A sua saúde fragiliza-se. Adoece. Em 2005 tinha sido operado à vesícula, mas nunca recupera totalmente. Em Abril de 2009 é submetido a uma delicada intervenção cirúrgica à próstata. No período de recuperação, sofre um ataque cardíaco fulminante quando se preparava para ser atendido numa consulta de rotina, em Lisboa. Foi em 17 de Junho de 2009, tinha 72 anos e cinco meses.
José Salsorte partia para uma outra dimensão. Num repente. Num ápice. Quase sem aviso prévio, após uma vida tantas vezes atormentada. Disfarçada por alguns momentos de tranquilidade, de felicidade, de paz interior, que não chegaram. Porque quase nunca chegam.
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