terça-feira, 30 de junho de 2009

NÚPCIAS

Uma destas mornas tardes
farto de esperar pelo sol posto
resolvi morrer

a carne putrefacta do meu rosto
ainda ousou ficar a escarnecer
da maior partida que a morte lhe pregou

o enterro foi um passeio saudável
digno da derrota
pena o dia inteiro instável
dum inferno provával
que jamais me abandonou
mas o demónio do inverno
não é nada amável
e a chuva lá ganhou
a bancarrota
do derradeiro jogo da batota

sem remissão desci no cemitério
como um rio descansa sobre a foz
ou uma virgem pretende o seu mistério

então
os vermes lúgubres de cio
cobriram bodas de recém-chegados
e depois a meia voz
num guincho atroz
de sexos encharcados
rugiram:
- enfim
só isto e nós!

Lisboa, Fevereiro 1963

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