quarta-feira, 1 de julho de 2009

NOCTURNO

Apaga essa luz

poupa-me o desgosto
de ver como me expuz
à presença do ausente

recuso a patente
das rugas e do rosto

fecha essa janela

que toda a primavera foi tolhida
de certa dor mordida
por mares da solidão

luz - não quero tê-la
dá-me escuridão

corre esse cortinado

deixa-me existir assim
mudo e apagado
na obscuridade

- não te chegues a mim!
... sujas-te toda de infelicidade

vence essa incerteza

e ordena à vida
que absorva os plurais
da nossa frieza

depois de seres vencida
não quero morrer mais

Lisboa, Fevereiro 1963

1 comentário:

  1. Paizinho,

    Nunca estiveste totalmente isolado, nós estivemos sempre contigo e tu sabes que é verdade. Foram 32 anos que vivemos juntos,a minha vida inteira de eterna sabedoria, eloquência e génio. Deste-me algo que poucos pais sabem dar aos filhos. Mas para mim, foste pai, o único que conheci, o único que desejei, a mais perfeita mente, com demostrações de uma ternura inigualável.
    Sou também eu uma solitária, assumo que tenho esta tua veia. Mas a solidão foi sempre exterior, porque aqui em casa estivemos sempre contigo e era a nós que tu te revelavas. Mesmo no momento da tua morte, estavas com a tua "Rosinha", como chamavas carinhosamente a mãe. Deixo aqui um beijo da parte dela. Um beijo com saudade de 37 anos de casamento, e outro que fica guardado para o encontro no descanso eterno.
    Por tudo o que transmitiste, a nós filhas, toda a cultura, a extensa biblioteca que nos deixas, pelo gosto do belo, das artes, da escrita, "Du Vintage Cinéma", pelo legado infindável de música erudita, pelo amor aos animais e à natureza...ai Pai, há tanto para agradecer-te.
    Há lembranças de infância tão ternas, que até hoje continuo a afagá-las. E mais que nunca recordo, o conselho de um dia que me viste chorar, sabias que eu estava triste, sabias a razão, e disseste simplesmente, "Paulinha, olha o céu!"

    Obrigado Pai por teres-me feito feliz.
    Amo-te Pai!

    Da tua "menina ilimitada, bela e querida, Paula Mariana ou fada (...)"

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