quarta-feira, 1 de julho de 2009

O MUNDO

São pais são pães
são searas de milho
são desgostos de mães
e ternuras de filho
são as febres dos fenos
a piranha e o anzol
os que têm de menos
é a luz e o farol
o suor dos carnavais
a serpente o vampiro
os que têm de mais
é a arma e o tiro
é Zumbi dos Palmares
é a vida e mais nada
a sina e os azares
o sertão e a estrada
são os barcos no porto
o voto e o sufrágio
é o pescador morto
a urna e o naufrágio
são os nobres metais
os desertos terrenos
os que têm de mais
e os que têm de menos
é o campo relvado
num domingo de sol
é o povo apertado
a sofrer futebol
é o ser egoísta
a vertigem da altura
a soma da conquista
a derrota amargura
é clamor da vitória
é prestar atenção
aos destinos da História
e de toda a Nação
são pesos e alteres
em contradição
são as fáceis mulheres
e as mulheres que não são
é o crime e o castigo
a obra e a invenção
a grade e o postigo
da mesma prisão
é a nuvem depressa
desde o raio ao trovão
é o mar que atravessa
a civilização
é o peixe e a rede
é o rei tubarão
é a fome e a sede
e a indigestão
são grandes e pequenos
valores filosofais
os que têm de menos
os que têm de mais
é a lava e o lume
a cratera e o vulcão
o Deus que se presume
é a Religião
são planetas perdidos
na imaginação
anos-luz percorridos
em outra geração
são crianças que incorrem
nos vícios dos pais
são os homens que morrem
por raros ideais
são os gostos plenos
e os desejos fatais
os que têm de menos
e os que têm de mais
são os livros e a estante
as estórias de ler
a verdade flagrante
a ânsia de exceder
é quem parte à procura
p'ra se esclarecer
é o sal da cultura
o sabor de saber
é a crise social
a greve e o motim
é a luta final
nas terras do sem fim
é o escravo liberto
a raíz da Poesia
o solo dum concerto
ou qualquer sinfonia
são os ventos amenos
tufões e vendavais
os que têm de menos
os que têm de mais
é o pio da coruja
é a luta intestina
a política suja
e a lei da rapina
a miséria e a tortura
é o povo esmagado
pela não ditadura
do proletariado
é a esperança dum dia
a promessa na frase
a paixão-melodia
é o jazz é o jazz
é a sociedade
e a fecundação
é o campo e a cidade
é o samba canção
é o amor nos bordéis
a real epopeia
de cabras e coronéis
dos capitães da areia
são Cristos nazarenos
pilatos-generais
os que têm de menos
e os que têm de mais
é dona Iemanjá
são terras do cacau
é o Jubiabá
a grandeza brutal
é a história singela
a esperança e o cavaleiro
os cravos de Gabriela
é a cor e o cheiro
são miragens de Abril
são revoluções
é Portugal Brasil
as nossas ilusões
é o cangaceiro
o herói e a pureza
o samba brasileiro
a beleza a beleza
é a abelha e o bailado
é Platão e o Amor
a montanha e o prado
o sorriso da flor
são as chuvas de Inverno
é o frio e a esfinge
é o chão do Inferno
o remorso que finge
são os corpos morenos
os pecados mortais
os que têm de menos
e os que têm de mais
é o feitiço da sorte
o jugo da potência
o mistério da morte
a razão da Ciência
o réu e o tribunal
a balança a justiça
é o bem e a moral
a couve e a hortaliça
é a teia da aranha
a cama e o lençol
é o santo e a sanha
a casca e o caracol
são memórias de crimes
é a fêmea sensual
os feitos sublimes
é o samba genial
é o amante enganado
mulher na corda bamba
são os cantares de Amado
é o samba é o samba
são poemas serenos
odes triunfais
os que têm de menos
e os que têm de mais
são brasões titulares
o ouro e a sinagoga
o vinho e os lupanares
é o ópio e a droga
é o rio e a ponte
a nascente e a foz
é a seca e a fonte
é o mudo e a voz
é a contradição
o farrapo e a toga
é o mata-borrão
é esta jigajoga
são prantos e acenos
são pontos cardeais
os que têm de menos
e os que têm de mais
é a desproporção
a pulga e o paquiderme
é a putrefacção
o abutre e o verme
é a transformação
a larva e a borboleta
o xadrez e o peão
a Poesia e o poeta
é a exploração
o mineiro o operário
a cautela o leilão
o salário o salário
são as trevas da vida
a noite e o pardieiro
os filhos e a comida
o dinheiro o dinheiro
são tugúrios obscenos
e multinacionais
os que têm de menos
e os que têm de mais
é fazer a partilha
do Amor mais profundo
é a maior maravilha
é o acto fecundo
é mau é bom é mundo

Tercena, Setembro 1977




1 comentário: